sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

O Velho Criador

Dentre todos os medos prevalece um. Aquele que está lá no fundo, sempre esteve, e sempre estará. O receio de que tudo é em vão. Uma sensação de vazio eterno donde surgem os deuses, emergindo de nossas cabeças e nos mantendo ocupados através da adoração. Uma máscara à realidade, um lapso que nos acolhe o suficiente para que nossa efêmera vida acabe antes que percebamos o inevitável: somos também parte do temeroso vazio. Não o vazio do universo, pois este é mais do que vasto, e por não sermos capazes de mensurá-lo, o chamamos de infinito. Mas sim o oco da existência que insiste em encontrar significado onde não há, e perde a única chance de ser mais que um eco de uma voz distante e irrelevante, perdida na escuridão.

(...)

O quarto estava escuro demais. Sendo ele Deus, deveria ser capaz de iluminar aquele local, pelo simples fato de desejar aquilo. Mas não conseguia, não importava o quão forte imaginasse e desejasse. Sua vontade simplesmente não se realizava. Segurou sua bengala com força e a apontou para a lâmpada apagada no teto, mentalizou as luzes amarelas, em vão. Estava começando a detestar tudo ao redor, e quando Deus se enfurece, o mundo sofre. Atirou a bengala para longe, usou toda a força que tinha para se levantar da poltrona, deu dois passos para frente, buscando a velha mesa de madeira, mas caiu antes de conseguir chegar até ela.

Era como um gigante caindo de um céu escuro, em um chão ainda mais negro, num mundo repleto de obumbração. Por que a vontade de Deus não se tornava realidade? Enquanto refletia sobre aquilo, caído no chão, com a mão enrugada a meio metro da mesa, chegou a algumas conclusões óbvias.

Eram os fiéis. Só podiam ser os fiéis, ou melhor, aqueles que um dia o foram. Oravam menos, e com menos fé. A ciência os havia estragado, contaminado a todos. Os homens gostam de brincar de Deus, trancados em seus laboratórios, com seus pequenos experimentos... e ainda dizem que estão fazendo o bem. Quanta heresia, quanta insolência! Deus é apenas um, e estava desamparado, fraco, abandonado por sua criação. Uma raça ingrata, que o trancara em um quarto escuro e clamava por ele quando precisava de ajuda.

Chega de perdão, chega de misericórdia, queimarei a todos! Só preciso... de um pouco mais de força.

Usou o resto de suas energias para se arrastar até a mesa, mas já não era capaz de se levantar e pegar o que queria. Encarou a perna da mesa por alguns segundos, mas então desistiu. Baixou a cabeça, encostou a face no chão gélido, e assim ficou até adormecer.

Quando acordou, estava sentado na poltrona, na mesma sala, mas ela estava bem iluminada, com as duas janelas abertas deixando os fortes raios de sol entrar. Olhou para a mesa e enxergou o que queria. Uma foto emoldurada em um alumínio que fingia ser prata, com figuras de rosas metálicas em cada canto. A imagem era a de uma família feliz. Estava ao lado de sua esposa, ambos vinte anos mais jovens, com seus dois filhos a fazer caretas, um tentando ser mais engraçado que o outro. E atrás, o mar azul, o céu azul, o mundo azul.

Olhou para o céu, pensou que Deus era irônico, mas complexo demais para que ele pudesse entender. Não precisava tanto assim da bengala, tirou-a do colo e a deixou cair no chão. Caminhou até o porta-retrato, retirou a foto do vidro e a contemplou por ao menos meia hora. Depois, enrolou a fotografia em um pequeno cilindro, e o comeu sem sequer mastigar, deixando todo o canudo passar por sua garganta, como se seu corpo tragasse as memórias, devorando-as como um demônio devora as esperanças dos fracos.

Foi até a parede, tirou seu diploma de biólogo da frente do cofre e girou o disco com as marcações numéricas até a combinação duzentos e vinte e quatro. Pegou a faca prateada que lá estava, sentou de novo na poltrona, e começou a se esfaquear na barriga, enquanto gargalhava sem parar. Fez isso até seu sangue se esvair o suficiente para desmaiar, e por fim, desfalecer. O pequeno riacho vermelho escorreu pelo belo tapete verde e negro, até chegar à escrivaninha, onde havia deixado sua última carta, dizendo:

Por favor, ajudem o Pai! Por favor... não me abandonem!

E essas foram suas últimas palavras, bem abaixo de um vidro de fenobarbital, e outras pílulas que ele deveria ter tomado. Infelizmente, seus filhos estavam longe demais naquela semana. Compromissos de trabalho, férias programadas, enfim, eram muitas as desculpas.

Seja um deus ou não, o risco é irremissível: leva-se tempo, mas as crias abandonam o criador.

A Eterna Luta: Livro e HQ Vs Filme e Série

Você provavelmente já ouviu, leu, ou mesmo disse uma frase semelhante às que seguem abaixo:

"O filme é simplesmente uma bosta! Não passa a profundidade da HQ!"
"O personagem da série sequer existe no livro, isso é tosco!"

Eu mesmo já lutei ao lado da tropa que defende Livros e HQs com unhas e dentes. Hoje já não me importo tanto, e vou dizer o porquê.

É quase certo que nenhuma adaptação para o Cinema ou TV vai conseguir abstrair toda a essência de uma história primeiramente feita para a literatura. Até porque, não somente a história em si é importante, mas a maneira como ela é contada. É por isso que se fala em "adaptação", pra início de conversa.

Tem uma galera que adora falar mal dos filmes baseados em HQs ou mesmo de séries de TV adaptadas da literatura, como é o caso de Game of Thrones, cuja fonte são os livros do George R. R. Martin: As Crônicas de Gelo e Fogo.

Mas, partindo do princípio que as críticas sejam referentes às mudanças em relação a história original, e não aos defeitos comuns inerentes de todo filme e série, ainda assim é preciso levar em consideração uma série de fatores. Por exemplo, o público alvo do livro pode não ser exatamente o mesmo da série ou filme. Outra coisa, os orçamentos para filmes e séries são limitados, mas o mesmo não acontece nos livros e HQs, onde a história depende muito mais da imaginação e do talento do autor.

Diversas modificações impactam ainda mais no âmago da história original de determinadas obras. Algumas feitas especialmente para fins comerciais, outras procuram tornar factível o universo construído para suportar aquela história no Cinema ou na TV, e essas alterações são as que mais irritam os fãs. 

Um caso bastante conhecido é o do filme Watchmen, baseado na HQ de mesmo nome da DC, escrita por Alan Moore. Quem leu as revistas e viu o filme, com certeza pôde notar algumas mudanças, a mais marcante delas no final. Muito já foi debatido sobre o porquê de tal alteração, e muitos concordam em dizer que se dá devido ao fato de que, na época em que a revista foi lançada, aquele tipo de final era mais propício do que agora, portanto, uma alteração seria necessária para manter o "clima" do filme uniforme e conivente do começo ao fim. E, opiniões à parte, não vi nenhum problema com o desfecho, apesar de eu ser um fã assumido da obra original.



Então, acredito que a verdade seja esta: não adianta esperar que HQs e livros sejam retratados fielmente no Cinema, ou mesmo na TV. Isso não vai acontecer, e é normal mesmo que não ocorra. São mídias bem diferentes, com recursos próprios e singularidades inerentes. Agora, você pode ser aquele cara que vive falando mal do filme ou série pelo fato de eles não serem fiéis às histórias originais, ou pode simplesmente curtir a adaptação. E claro que isso não te impede de criticar as adaptações, até porque, se você não gostou e quiser se expressar, é um direito que te cabe. Mas não seja aquele chato que vive enchendo o saco, dizendo que fã que é fã tem que ler o livro ou a HQ, e que a verdadeira essência está somente nestas duas últimas mídias citadas. Claro que você pode divulgar o livro, sugerir, principalmente aos amigos que você pensa que podem vir a gostar da história original de determinada obra. Mas, siga a filosofia do Sr. K: faça o que quiser, mas não encha a porra do saco.


quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Carta de um Veterano

As palavras a seguir são parte introdutória do registro de escritos do mais nobre veterano do exército dragoriano, o rei Belthasar Ganfourt, também conhecido como “Grande Leão”.

(...)



O homem acredita ser soberano neste mundo. Pobres coitados, isso sim é o que são. Aliás, é o que somos, pois por mais que me chamem de leão, não sou de fato um felino.

Monstro. Outra bela definição para o homem. Não me entenda mal, mesmo um monstro possui virtudes. Gigantes e dragões são provas vivas disso.

Ah, sim, o homem... estava a falar dele, certo? Minha mente sempre embaralha os pensamentos quando estou a refletir sobre minha raça. Talvez seja pela a aversão que criei por alguns sujeitos, ou pelo fato de meu velho e cansado cérebro já estar começando a pregar-me as peças que a vida nos reserva para esse fim de jornada.

Sim, é o fim da minha aventura, eu posso sentir. Não sei se é pela idade avançada, mas tenho me portado de maneira mais questionadora ultimamente, sempre pensando em questões sem uma resposta definitiva. Perguntas que os filósofos fazem durante toda a vida, mas que a maioria das pessoas só pensa quando está ociosa demais ou prestes a morrer. Como por exemplo, a indagação:

Por que diabos a vida é assim?

A morte nos aguarda desde o momento em que nascemos. Por isso fazemos tudo que nos cabe nesse pequeno período que separa o primeiro choro e o último suspiro. Mas vos digo que depois de muito pensar e vivenciar, cheguei à conclusão de que a ordem das coisas está certa, embora eu tenha passado minha vida acreditando que estava errada.

Nascemos e temos todos os nossos sentidos em perfeito estado. A cada nova descoberta o mundo se recria diante dos nossos olhos, e assim experimentamos a vida todos os dias. Com o passar dos anos, passamos a conhecer faces dela que não são assim tão belas, e percebemos que a mesma mão que acaricia, é capaz de empunhar uma espada, e os tempos de inocência ficam para trás. A obrigação do trabalho e a espera pelo ócio passam a fazer parte da rotina diária. Quando menos perceber suas vistas já não enxergarão tão bem, e seu estômago já não irá digerir aquela refeição deliciosa com a mesma eficiência. Seus braços já não serão tão fortes e suas pernas mal aguentarão o peso do corpo. 

Quando a areia da ampulheta chegar à metade, seu corpo nada mais será que um recipiente gasto, portando uma alma que muito almeja o infinito. No entanto afirmo que, na velhice, ciente de que cada momento pode ser o último, me dei conta do porquê de as coisas serem de tal modo. Não posso tentar explicar-lhes com a pena e o papel, por vários motivos. Um deles é que eu não saberia como fazê-lo de forma plena, e outro é que seria uma falta de respeito para convosco tirar-lhe o prazer de descobrir certas verdades por conta própria. Mas vos digo que mesmo as doenças e complicações da velhice fazem sentido agora. Pois a cada dia que passa, menos estou preso à esta vida. A dor aguda de facas penetrando em minhas costas é contínua, mesmo que não haja uma única lâmina, e meu estômago, que antes aguentava quase um javali inteiro, hoje se enrijece como uma pedra só de ter de processar alguns pedaços de carne. Acreditariam se eu dissesse que houve época em que eu comia cinco pernis inteiros de uma só vez? Enfim, a vida me tira alguns prazeres como que preparando minha alma para se desvincular deste corpo, dizendo:

“Terás que partir em breve, e é por isso que lhe tiro aos poucos as coisas das quais mais gosta ou precisa. Adiciono um pouco de dor a cada dia, para que não tenha mais essa vontade excessiva de continuar aqui para sempre; para que o dia da partida seja um alívio, não um amontoado de pesares”.

Antes de entender isso, admito que passei um bom tempo como um velho rabugento, mas hoje estou totalmente preparado para quando a morte vier abraçar-me. Basta ela me guiar, irei de boa vontade. Aliás, se ela quiser ir conversando comigo durante o percurso ao mundo das almas, serei de todo atenção, tenho muitas perguntas a fazer. 

Parto de bom grado, não por desgostar deste mundo, até porque isso não é verdade, mas meus cabelos brancos, minhas rugas e minhas dores denunciam que já passei tempo demais aqui.

Então, antes que eu parta, pretendo compartilhar todo o conhecimento que adquiri sobre técnicas de combate e estratégia de guerra, para que se preparem caso nossos vizinhos arrogantes se assanhem novamente.

Sinto que é meu dever passar minha experiência adiante, pois apesar de nossa carne apodrecer, nossas palavras ficam. Mesmo das mãos que escreveram e já foram comidas pelos vermes embaixo da terra, passam as palavras que olhos ainda vivos lerão.

Agradeço a todos os amigos e companheiros que me suportaram durante minha jornada, especialmente à minha esposa, Luccia Jahome Ganfourt, pelo companheirismo, amor e paciência. Ao meu filhote, Richard Ganfourt, que é indubitavelmente o mais inteligente felino-homem deste mundo, e aos meus leõezinhos, Kaluh e Toliel Ganfourt, por serem duas pestes adoráveis.

Introdução e Agradecimento / Crônicas de Guerra - Técnicas de Combate: da Adaga ao Machado Duplo, por Belthasar Ganfourt I, O Leão

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Os Líderes da Aliança

O Trecho abaixo foi extraído isoladamente do capítulo 29 do meu livro (nome ainda não divulgado), página 228.


(...)

- Chega... - disse Bartolomeu, batendo três vezes com uma caneca vazia sobre a superfície da mesa, chamando a atenção de todos. Aquele som, na verdade, gerou um sutil encanto, transportando aura aos tímpanos de todos, e ajudou a acalmar os ânimos. Mas ninguém além do conselheiro do bardo foi capaz de notar a magia. - Parece que já temos nossas opiniões bem definidas. Vamos votar, para que possamos nos planejar para amanhã.

A feiticeira e o xamã eram os mais religiosos dentre os líderes da Aliança, mas resolveram relevar a ofensa, pois além de quererem prosseguir com a reunião, consideravam que as palavras de Eve eram nada mais que reclamações infundadas e tolas. Não a achavam digna de atenção.

- Finalmente alguém disse algo útil - a voz pertencia ao espadachim de olhos puxados. Tinha um chapéu de palha oriental por onde fitas de seda nas cores vermelho e negro desciam, evitando que os traços de seu rosto pudessem ser vistos em totalidade.

- Já disse o que eu queria dizer - a líder dos Amigos das Sombras se pronunciou mais uma vez. - Devemos invadir a fortaleza furtivamente, matá-lo e pôr um fim nisso isso tudo. Temos poder para isso, não há razão para continuarmos sujeitos às exigências dele.

- Para alguém que chama a si mesma de Punição Silenciosa, você até que é bastante barulhenta - rebateu Fayina, seus olhos, normalmente fechados, finalmente se abriram.

Um Homem e Um Deus

O Trecho abaixo foi extraído isoladamente do capítulo 31 do meu livro (nome ainda não divulgado), página 247.


(...)


- Preciso voltar - disse o oponente. - Você terá duas opções assim que passar pela porta. Se for sábio e humilde, sairá com vida, e garantirá o mesmo direito aos seus aliados. Se for prepotente e arrogante, como aparenta ser, estará arruinado, e seus amigos serão destroçados em campo de batalha. Pense bem, bardo, o futuro deles está em suas mãos.

'Campo de batalha?' Bartolomeu pensou. 'Ele sequer faz questão de esconder sua intenção? Pretende mesmo lutar?' Aquele pensamento ameaçou abalar seu equilíbrio mental, mas ele brevemente tratou de se acalmar. O cavaleiro desapareceu, consumido pelo portal surgido no broche.

Encarou a porta por alguns instantes. Ficou imaginando como o Paladino devia ser. Não conseguia formar uma imagem clara na cabeça. Convenceu-se de que havia de ser um homem como qualquer outro, mas com um belo escudo e uma imponente espada. Mesmo que sua idade fosse incerta, sabia que ele já estava em Arkandur há mais de duzentos anos, então não podia esperar menos que uma aparência de um ancião, daqueles que tem cara de sábio. Esperava encontrar apenas um homem, que por mais importante que fosse, era nada mais que um mortal, assim como ele. Não podia deixar que a alcunha e a história daquele líder religioso o intimidassem. Encheu os pulmões de ar, ajustou a postura, tinha de parecer confiante e intrépido. Não queria ofender o Paladino, mas também não queria mostrar cortesia demais, como se fosse um súdito. Estava ali de igual para igual, líder diante de líder. Resolveu entrar de uma vez, e quando sua mente se esclareceu de que essa era realmente sua vontade, a porta abriu-se sozinha. 

E, diante dele, um Deus.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

Sobre a Vida na Irlanda (pontos negativos)

Já fiz um post falando sobre os pontos positivos de se viver em Dublin, na Irlanda. Hora de falar um pouco sobre os aspectos negativos. Lá vai:

1 - Clima
Eu já sabia que o clima de Dublin era chuvoso e frio, e como eu gosto de dias cinzentos, pensei que não seria problema algum. Eu estava errado. O clima úmido e o vento gélido podem sim somar um fator negativo. Há semanas que você sequer vê um raio de sol, e mesmo sem enxergar os pingos de chuva, pode ter certeza que o chão está sempre molhado. O vento corta feito navalha, e é bom comprar uma capa de chuva, porque os guarda-chuva se quebram assim que a primeira rajada de vento bater. Bom, é claro que dá pra viver assim, é uma questão de se acostumar, e você não pode deixar que a chuva te impeça de fazer alguma atividade a céu aberto, caso contrário, você nunca sairá de casa.



2 - Casas/Apartamentos/Acomodações estão ficando mais caras
A cidade está lotada de intercambistas, turistas e estrangeiros em geral, e todos estão malucos atrás de um lugar decente pra morar. O valor a se pagar por acomodações está subindo exponencialmente em decorrência da grande demanda, o que coloca os landlords em posição privilegiada, podendo fazer exigências bizarras e aumentando a mensalidade das acomodações. Obviamente a galera consegue encontrar um jeito de se virar. Muitas pessoas alugam apartamentos espaçosos e dividem com 5, 6 às vezes até 7 e 8 pessoas (na verdade, esse número vai aumentando e eu não sei se há algum limite, tem gente que vive que nem bicho, jogados uns sobre os outros), o objetivo é aliviar o orçamento mensal... enfim, cada um se vira como puder.

3 - Oportunidades de Trabalho
Há vagas de trabalho? Sim, há. Mas não pense que o cenário atual é lindo. Não é impossível conseguir um emprego em Dublin, mas é muito difícil, e além de uma série de requisitos que você precisa ter, também é necessário uma pitada de sorte. Ao meu ver, os principais fatores que podem ajudar você a conseguir um trabalho em Dublin são: uma boa rede de contatos, bom nível de inglês, cara de pau, determinação, e insistência. Tem gente que entrega currículo todo dia pra tudo que é vaga, e muitos conseguem alguma coisa através de indicação, por isso é tão importante ter contatos. Então, como eu disse não é impossível, mas só pra você ter uma noção de como estão as coisas, tem lugares cujas vagas para "lavador de pratos" exigem inglês fluente e experiência de 3 anos na função.

4 - Só tem Pub
Esse ponto pode ser positivo se você adora pubs e bares e tem grana pra gastar. Dublin tem milhares (não é exagero) de pubs, um mais legal que o outro. Mas basicamente é isso o que tem pra fazer na cidade toda, e depois de algum tempo acaba ficando meio "chato". Bom, há locais bem legais para se ir, como o Phoenix Park, por exemplo, mas lembre-se que o clima não ajuda muito. Há belas igrejas, museus, etc. E a costa irlandesa também é bem bonita de se ver, mas depois de alguns dias você já visitou todos esses lugares, e o programa padrão acaba sendo ir ao Temple Bar, e escolher um entre seus milhares de pubs.



5 -  A comida é meio...
Até os irlandeses que eu conheci não queriam comer a comida irlandesa, mas pra sorte deles, e dos estrangeiros, Dublin conta com boas opções de restaurantes e mercados onde é possível encontrar a comida típica de outros países, inclusive a brazuca. Por exemplo: o "café da manhã tradicional irlandês", consiste em ovo frito (melhor parte do prato), duas salsichas que são pura gordura e banha (não dá pra comer, véi), pão torrado (pretty much ok), e um feijão doce e horrível. O lado bom de tudo isso é que existe o louvável STAR PIZZA, como disse no post anterior. 


Ah, não se deixe enganar pela foto acima. Parece delicioso, não é? Pois bem, não é. O ovo frito e o pão até que se salvam, mas o resto... enfim, sei lá também, tem gosto pra tudo.


Bônus: principalmente nas áreas próximas do centro da cidade, à noite surge uma galera que parece que os caras estão bêbados 24h por dia, e ficam gritando madrugada adentro. Bom, é verdade que prefiro isso do que ouvir som de tiros ou ligar a TV num programa sensacionalista explorando algum caso trágico, mas ainda assim é algo negativo que vale ser informado.

Vou deixar a Irlanda, mas levo boas lembranças do país, e acredito que seja um bom lugar para se viver, apesar dos pontos negativos que enumerei neste post. Sentirei falta da sensação de segurança ao andar tarde da noite nas ruas, do tubo de pringles por 2 euros, da galera dizendo sorry num excesso de cordialidade que não machuca ninguém, enfim, a Ilha Esmeralda tem sim seu valor, e Dublin tem também seu charme, com suas pontes brancas sobre o rio Liffey, e seus pubs cheios de gente alegre e música ao vivo.


Sobre a Vida na Irlanda (pontos positivos)



Este post é apenas para mostrar um pouco da minha percepção sobre a Ilha Esmeralda. Vou enumerar alguns pontos positivos e negativos de se morar aqui (em Dublin, no meu caso). E é claro que o que segue abaixo é apenas a minha opinião e corresponde à minha vivência na capital irlandesa (por enquanto, 7 meses), portanto, é só uma das muitas fontes que você pode ter ao pesquisar em sites e blogs por aí. Não há como não traçar um paralelo em comparação com a vida no Brasil, já que são os dois únicos países onde vivi. Posteriormente farei um post com os pontos negativos, mas nesse primeiro momento abordarei os positivos, que ao meu ver são:

1 - Segurança
Eu nunca me senti tão seguro quanto em Dublin. Mas é claro não é o paraíso. Rola furtos e assaltos, tem muitos maloqueiros que gostam de jogar ovos e outras coisas nas pessoas (as vítimas são, na maioria das vezes, estrangeiras). Mas, apesar disso tudo, ainda me sinto MUITO mais seguro do que no Brasil. Em Porto Alegre, ao menos, nunca ia passar pela minha cabeça ir do centro da cidade até a minha casa a pé, às duas e meia da madrugada. Bom, aqui eu fiz isso (algumas vezes) e nenhum sinal de perigo. Talvez eu tenha tido sorte? É, talvez. Mas a visão que fica é esta: a Irlanda, no geral, é um país seguro de se viver, e isso influencia muito no seu humor diário e no nível de stress.



2 - Custo de Vida
Muita gente que vive aqui diz que a Irlanda - em especial, Dublin - é um lugar caro de se viver. Não posso negar que se formos comparar com outros países da Europa, pode mesmo ser considerado um pouco mais caro. Mesmo assim, é inegavelmente mais "justo" que no Brasil. E chego a essa conclusão por fazer os cálculos do mês, incluindo compras no supermercado, conta de energia elétrica, internet, apartamento dentre outras, levando em consideração o salário mínimo por hora no país, que é de 8 euros e 65 centavos. Infelizmente não consegui emprego remunerado aqui, mas mesmo convertendo o Real em Euro, e sabendo que a moeda brasileira tá cada vez mais desvalorizada, ainda assim dá pra conseguir viver em Dublin por algum tempo mesmo sem emprego (contanto que você tenha trazido a grana necessária ao menos para a obtenção do visto de estudo/trabalho e do GNIB). É obvio que a conversão sempre dói no bolso do brasileiro, mas imagina pra quem vive aqui e recebe em euro? Com um salário mínimo é possível viver uma vida digna, coisa muito difícil de se conseguir no Brasil. Ah, um detalhe: aqui, até 2015, não se pagava conta de água. Agora é que estão começando a cobrar por esse recurso, e o povo tá protestando nas ruas por causa disso. O que nos leva ao terceiro ponto:

3 - A União do Povo
Nenhum país está livre da corrupção. E digo isso porque a corrupção não é inerente a um povo ou outro, mas ao ser humano de modo geral (oh, que profundo), mas a questão não é sobre o quão debilitado um país está pela corrupção, mas como seu povo se comporta diante dela. E não somente em relação à corrupção, mas também à competência do governo em gerenciar o país de maneira eficiente, ou ao menos de um modo que o povo julgue "justo".  Um exemplo que eu gosto de citar é o da conta de água, aqui da Irlanda. Como disse, a galera não pagava por esse recurso anteriormente, e agora terão de pagar. Bom, se você olhar para os outros países, verá que eles pagam pela água que consomem, nada mais normal, certo? Pode até ser, mas a verdade é que o povo irlandês não pagava por isso, e NÃO QUER pagar. Então, não interessa quem está no poder, não interessa o partido, não interessa se é o candidato que eu votei ou não. O povo vai às ruas e protesta. E foram muitos os protestos que ocorreram, eu vi vários acontecer, e ouvi várias conversas do tipo "quando as contas vierem, não vou pagar". E não eram apenas os "menos abastados" que estavam falando esse tipo de coisa. Não é só porque você tem condições de pagar por algo, que você TEM que pagar. Pra mim, isso só mostrou o quanto esse povo é unido. Não estou julgando se é certo ou errado tal comportamento, mas vejo que o povo abraça uma causa e vai à luta, ao invés de apenas defender partido A ou B, como se fossem peões se digladiando pelo rei.



4 - Diversidade Multicultural  
Andando pelas ruas de Dublin, você vai ouvir gente falando em italiano, espanhol, coreano, árabe, alemão, russo, japonês, muito português, ah, e é claro, um pouco de inglês! Posso estar exagerando, afinal, mesmo quem é estrangeiro arranha um pouco no inglês, e é possível se comunicar sem problemas contanto que você também saiba ao menos o básico do idioma. Mas a verdade é que é possível conhecer gente do mundo todo, e para quem nunca conheceu outra cultura além da brasileira, é muito interessante ter essa experiência.

5 - O Sistema de Transporte Público de Dublin
Algumas pessoas que moram aqui vivem reclamando que os ônibus atrasam às vezes, e são caros. Bom, mais uma vez, se você for comparar com o sistema de transporte público de outros países da Europa, talvez não seja tão bom, mas mesmo assim é MIL VEZES melhor que o transporte público do Brasil. Em Porto Alegre eu tinha que pegar uma linha todos os dias para ir ao trabalho (maldito T6), e o desgraçado do ônibus estava sempre lotado, atrasava (de 5 minutos à 1 hora) e você ainda corre o risco de ser assaltado (tanto na parada, quando dentro do ônibus). Falando assim até parece exagero, e quem dera que fosse, mas não é. Em Dublin você tem um ônibus decente de dois andares, que tem até wi-fi (nem sempre funciona, mas né), estações de trem bem localizadas, e um meio de transporte chamado LUAS, que são uma espécie de bondes modernos. E é claro que o cartão (Leap CARD) é integrado, e você pode usá-lo em todos os meios de transporte disponíveis. Ah, e na maioria das paradas de ônibus há um letreiro eletrônico que indica quais os próximos ônibus que estão para chegar, e quanto tempo irão levar para chegar na parada.



6 - Povo Receptivo
Talvez você já tenha ouvido aquela história que diz o seguinte: o povo irlandês é bem-educado, amigável, e vai estar sempre disposto a te ajudar. Bem... sim e não. Isso é história pra boi dormir (ditado velho, mas funciona). Em geral, tive sorte com os irish, a maioria foi sim bem-educada, principalmente no começo, quando eu precisava ficar perguntando informação a cada esquina, sempre me perdendo nas ruas. Mas isso não é uma unanimidade, e não acredito que haja algo assim, em qualquer lugar que seja. Algumas pessoas vão te tratar bem, outras não, isso independe do lugar onde você esteja. Claro que a cultura do local pode influenciar, mas acho que o principal determinante é o âmago da própria pessoa, em ser no mínimo cordial para com seu próximo. Muita gente, no Brasil, reclama que o povo é mal-educado, mas não percebem que isso não justifica a falta de proatividade em exercer a cordialidade tão cobrada dos outros. Resumindo, minha opinião sobre o povo irlandês é que eles são bastante receptivos a estrangeiros, e que se você tratá-los com respeito, também será respeitado (também pudera, os turistas e intercambistas ajudam a movimentar a economia do país).

Bônus: vale lembrar que estando na Irlanda, fica muito mais fácil conhecer os outros países da Europa. Tem empresas aéreas (Ryanair, por exemplo) que vendem passagens a preços baixíssimos.

Bônus²: quem me conhece sabe que eu não vivo sem pizza. Aqui existe um lugar chamado STAR PIZZA que vende uma pizza inteira + batatas fritas + refrigerante + molho por 5 EUROS! Cara, eu definitivamente vou sentir falta desse lugar. Esqueça os Pubs e o badalado Temple Bar, o maior ponto turístico é o STAR PIZZA com certeza.

É isso, o próximo post será sobre as desvantagens.


Té!    

sábado, 14 de fevereiro de 2015

5 Motivos para ler "A Batalha do Apocalipse" e "Filhos do Éden"

Para começar, gostaria de dizer que é possível encontrar resenhas dos livros do Eduardo Spohr em diversos sites e blogs por aí. A maioria das resenhas que eu li a respeito das obras dele falava muito bem da fluidez narrativa e da versatilidade dos personagens, dentre outras coisas. Há também alguns lugares onde é possível encontrar textos apontando oportunidades de melhoria e fazendo críticas construtivas, e é claro, endereços virtuais com textos que visam apenar depreciar o autor e atacá-lo diretamente, ao invés de abordar as obras do mesmo com olhar crítico e discernimento. Ossos do ofício, acredito eu. Faz parte, e é preciso saber lidar com isso, pois nem mesmo lendas como Tolkien e Cornwell agradaram a todos.

Portanto, resolvi não escrever uma resenha, mas uma lista com cinco motivos para você ler as obras deste autor. Claro que por essa abordagem já fica evidente que gosto e muito dos livros dele. Mas, mesmo sendo fã (#semprefuifã), tentei escrever usando mais a razão do que o coração, pois o objetivo não é dizer a vocês o quanto eu gosto do universo criado pelo autor, e sim explicar sucintamente os principais motivos pelos quais eu acredito que seja uma ótima ideia apostar em um de seus livros para sua próxima leitura.



Nota: as palavras abaixo expressam apenas o meu ponto de vista, portanto, não tenho como afirmar as verdadeiras preocupações e inspirações do autor.

1 - Não é "apenas" um universo sobre anjos e demônios.

Uma das principais qualidades de suas obras, ao meu ver, é a preocupação com os porquês. Percebe-se um claro esforço em ligar pontos e questionamentos que são inerentes a todos que se interessam por mitologia em geral. Unindo anjos e demônios à mitologia oriental, deuses nórdicos e  diversas outras criaturas e divindades de outras crenças espalhadas pelo globo, a obra é não somente versátil, mas dinâmica. Você pode acompanhar uma cena de luta entre um anjo celeste e uma divindade mitológica oriental, e alguns capítulos depois ser convidado a imergir num mundo de fadas célticas. E não, não pense que tudo isso é fruto de uma loucura incoerente do autor. Pois os pontos se conectam e as regras do universo são explicadas de maneira que não fique maçante ao leitor.

2 - O Brasil existe, por que negar?

Muitos autores já trabalharam em obras que mesclavam universos fantasiosos e criaturas lendárias com o nosso mundo atual e as regras da nossa realidade, mas o Brasil é pouco abordado na maioria das histórias. É claro que a Europa tem seu charme e o Japão é o palco dos samurais, mas não se esqueçam que nosso país também tem seu valor, tanto pelo seu povo quanto por suas belezas e cultura. Já estava na hora de ver nossas terras tendo alguma importância em um romance de proporções globais (nesse caso, universais). Alguns autores nacionais vêm conseguindo incluir o Brasil de maneira muito interessante em suas obras, e isso é excelente! E aquela cena logo no começo de ABdA, com os personagens na estátua do Cristo Redentor é simplesmente... bom, sem spoilers!

3 - Não é Preto no Branco

Se você gosta e consome conteúdo relacionado a anjos e demônios, você provavelmente já leu algum livro ou história em quadrinhos, assistiu algum filme ou série, ou mesmo compareceu a peças de teatro sobre o assunto. E você já deve ter as personas angélicas mais célebres bem sólidas em sua mente, certo? Miguel, com sua honra e coragem inabalável, Lúcifer, mesquinho e belo enquanto anjo, mas um horrendo monstrengo enquanto demônio. Bom, isso é normal, mas tente desconstruir um pouco alguns conceitos. Muito disso será visto, mas não pense nos personagens como se tudo fosse "Preto no Branco",  porque eles são muito mais profundos e tem muito mais a oferecer do que simples conceitos já previamente construídos e apresentados por outras mídias acerca do mesmo tipo de assunto.  

4 - As Cenas de Ação

Sei que nem todo mundo gosta de ler cenas de luta muito detalhadas. Eu, como bom fã de Cavaleiros do Zodíaco e outros animes, desenhos e filmes de ação, gosto muito desse tipo de cena, com golpes que tem nome e combates épicos, daqueles que deixam crateras enormes no chão e fazem reverberar o som estridente do metal de duas espadas místicas se chocando. Mas as cenas de ação destes livros não estão resumidas à pancadaria. Tem cenas de perseguição dignas de cinema, momentos de tensão envolvendo feitiçaria e suspense, e situações onde os personagens mal se movem, mas suas palavras cortam tanto quanto um duelo de espadachins, tão bem elaborados são os diálogos.

5 - Não se prende fielmente aos conceitos bíblicos e aos estudos de terceiros

É evidente que foi necessário muita pesquisa e estudo para se escrever tais livros, mas não pense que você vai encontrar uma releitura bíblica, apenas com cenas e tramas mais detalhadas. O autor teve sim preocupação em manter muitos conceitos importantes, mas ao mesmo tempo se deu a liberdade de criar todo um universo novo, com características específicas às castas angélicas, suposições plausíveis para catástrofes bíblicas, e outras coisas que fazem muito sentido dentro do universo criado pelo próprio autor. Ou seja, tudo foi explorado de modo que mesmo o "conhecido" pudesse trazer novidade, e a mitologia foi explorada de maneira muito fluída, facilitando a imersão, convidando o leitor a fazer parte daquele universo.

Bom, é isso, espero que gostem, e não deixem de apoiar os autores nacionais de fantasia, cada vez mais conhecidos tanto no cenário nacional, quanto no resto do globo.


See ya!

Influências Musicais (Parte I)

Bom, não costumo escrever sobre mim. Uso o blog mais para salvar alguns dos meus textos, principalmente pra ver se minha escrita evoluiu um pouco ao longo dos anos. Mas resolvi criar este post pra falar um pouco das minhas influências musicais, e o motivo é bem simples: deu vontade.

Decidi, também, que deveria seguir (ou tentar seguir) a ordem cronológica das coisas. E digo isso porque eu curto um monte de estilos diferentes, mas alguns deles marcaram determinadas épocas da minha vida. Quem me conhece há certo tempo sabe que eu normalmente escuto rock e heavy metal, e que também gosto muito de musicas instrumentais de guitarristas como John Petrucci e Jason Becker. Mas talvez alguns não saibam que eu não me nego a ouvir um bom hit da Lady Gaga, e que meu lado mano desperta quando pinta um Racionais MC's. Até um pouco de hip hop do Snoop Dogg cai bem de vez em quando.

Por isso volto para 2003 (acho que era esse o ano, porque eu tinha 13 anos na época, se não me engano), com "By The Way" do Red Hot Chili Peppers. Lembro que ganhei o CD de Natal, e ouvi aquele bendito álbum cerca de trinta e duas mil e quatrocentas e vinte e sete vezes (mais ou menos).  Na época, essa era minha música favorita do álbum: 




Obs. eu não fazia ideia da letra da música, mas curtia a vibe mesmo assim. Naquela época eu tinha computador mas não tinha internet, e não tava afim de comprar aquelas revistinhas de cifras só por causa da letra de uma música, então foda-se, eu curtia sem entender mesmo hahahaha

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

Personagem: Helene

O texto abaixo foi escrito para servir de material complementar ao desenvolvimento de uma das personagens. Já mostrei um pouco sobre Aldesfer no post anterior, hora de dar uma amostra de Helene.

(…)



Ser uma ladra era como ser presa e predador ao mesmo tempo, ainda mais depois de ter se envolvido com a guilda: um erro que ela desejou jamais ter cometido. John Silencioso nunca a deixaria viver. Mesmo que ele não fosse capaz de encontrá-la tão facilmente, o máximo que ela conseguiria seria alcançar um estado de sobrevivência que de maneira alguma poderia ser chamado de vida. Fugindo, cavalgando, se escondendo. A furtividade é um requisito básico para o ladino, mas aquele que vive nas sombras, um dia acaba por se tornar uma. E ela não queria terminar assim.

Galopou pelo labirinto verde, ziguezagueou por entre as árvores, atravessou os córregos. Tal qual uma cavaleira experiente, ou talvez melhor. Nenhum dos ladrões conseguiu acompanhá-la. Escondia o dourado dos cabelos sob um capuz marrom, que na noite, parecia negro, e mantinha os punhais escondidos por baixo da manta, presos em uma cinta de couro com bainhas moldadas perfeitamente para comportar as lâminas. Um presente; uma das únicas coisas que ela possuía, e que não era fruto do roubo.

- Vamos ter de passar a noite aqui, amiga – ela disse para a égua, escondida atrás de uma grande rocha coberta por musgos.

Sabia que o animal não podia entender suas palavras, mas sentia-se tão solitária naquele mundo de fuga sem fim, que por vezes gostava de fingir que a égua era capaz de compreender o que ela dizia, e então começava a conversar com a companheira, dando tempo para que ela respondesse. As respostas nunca vinham, mas a ladra inventava uma em sua mente, continuava o diálogo, que na verdade, acabava por ser um monólogo.

- Afinal, ainda somos você e eu, não é mesmo? – ela continuou. – Uma dupla como nós não será encontrada por ladrõezinhos como aqueles, que sequer passaram da base da pirâmide. Se o maldito do John quiser nos encontrar, terá que enviar peças mais habilidosas; os peões não são páreos para nós.

Fez o que pôde para convencer a si mesma de que era durona. E na verdade era.

terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

Devaneios ao Fogo - Texto de apoio (Projeto - Primeiro Original)

O trecho que segue abaixo é parte do material de apoio que escrevi para auxiliar no desenvolvimento de meu livro que está em fase final e enviarei às editoras ainda em 2015 (cruzando os dedos). Como o autor normalmente fala por meio de seus personagens, pode-se dizer que as palavras são tanto minhas quanto do Aldesfer, meu bom amigo criado no final do ano de 2011, fruto do meu apreço por pessoas idosas. Então, que venha a carta do Mago Vermelho.

(…)



DEVANEIOS AO FOGO

Onde há vida, haverá morte. Onde há felicidade, haverá tristeza. Onde há prazer, haverá dor. Onde há o bem, haverá o mal. Dualidade é uma das leis universais mais evidentes em nossas vidas.

Por mais que as leis dos homens possam ser quebradas, o mesmo não se aplica às leis do inexplicável, cujo decreto é implacável e irrevogável. E se há algo que rege o ciclo de acontecimentos onde a dualidade atua, este algo é o tempo.

O mundo foi palco de tantas eras que mesmo a história de todas as sociedades humanas somadas não significa mais que um quarto de um grão de areia em meio a outros incontáveis grãos contidos na ampulheta do tempo. Diferentes raças… diferentes histórias… Algumas tão incríveis durante sua existência, outras tão miseravelmente irrelevantes para aqueles que vieram após. E em nenhuma outra era houve raça tão incontrolavelmente ambiciosa quanto o ser humano. O homem é, sem dúvidas, a criatura mais faminta que já passou pelo mundo: seus olhos não se contentam em enxergar para sobreviver. São olhos que precisam de belas imagens. Contudo, ser belo também não basta; os olhos humanos precisam alimentar-se de algo novo e diferente todos os dias. Praias, montanhas, florestas, tudo precisa ser visto, e quando tudo não for mais novidade, ele encontrará um jeito de alimentar a visão com alguma outra coisa. Além dos olhos, os ouvidos também sentem fome. Fome de belas melodias e dos mais variados sons que o mundo e todas as outras criaturas que fazem parte dele podem oferecer. E quando todos os sons tiverem sido ouvidos, o homem encontrará uma forma de saciar esta vontade de alguma maneira ou de outra. E é claro que a palavra fome também deve ser aplicada para a busca por alimento. O homem come tudo o que vê, e mesmo quando está satisfeito, continua comendo. Come as plantas, árvores e seus frutos. Come outros animais, e em alguns casos até outros homens. Talvez, pelo menos neste aspecto, o ser humano se pareça mais com os outros seres desta era. Enfim, se uma lista fosse feita com todas as necessidades humanas, poder-se-ia escrevê-las em papel e empilhar as folhas para que formassem um pilar que atravessaria o céu, caso não acabasse o papel e a tinta das penas antes, é claro.

Mas, por mais que toda a existência possa parecer insignificante perante a presença do tempo, não pode deixar de ser relevante para aqueles que vivem em seu tempo e acreditam que suas vidas possuem algum sentido maior do que eles possam compreender por completo. Ah, sim, essa é mais uma das necessidades humanas. O homem precisa de uma razão para viver. Talvez por isso suas lendas sejam tão interessantes. Diante de tantas vontades, não é de se estranhar que os humanos possuam tantas histórias para contar. Afinal, não é fácil viver todos os dias em busca de algo, e nunca sentir-se totalmente saciado.

Enfim, não penso que alguém irá um dia ler esta carta, mas precisava escrevê-la mesmo assim. Para finalizar os devaneios, escrevo abaixo as palavras daquele que um dia foi o mais entusiasmado, egoísta e talentoso músico que já conheci. Meu aprendiz e amigo…

A vida é uma melodia que pode ser triste ou feliz, dependendo de como você a toca… E como hoje acordei de bom humor, será uma melodia alegre, contanto que me prestigiem com uma peça de prata quando terminar a canção, ou ao menos me paguem uma bebida”.

Para ser justo, devo inserir também alguma memória de um outro grande amigo, afinal de contas éramos três, e odiaria que ele encontrasse esta carta e percebesse que não fiz nenhuma menção a ele. Até porque, eu sempre impliquei com o sujeito, aproveitando do seu excesso de paciência, mas a verdade é que este é o típico caso onde o aprendiz é mais sábio que o mestre. Que constrangimento... espero que ele nunca leia esta carta…

Apenas uma coisa é mais poderosa que a vontade de um deus: a convicção de um homem”.

Viu? Não disse que ele fala como um sábio? Do tipo que fala pouco, mas diz muito. Desgraçado…

Eu poderia citar muitas outras coisas que fazem sentido pelo menos para mim, mas já é hora de terminar esta carta. Sou péssimo com encerramentos, e também não costumo ser formal, então deixo aqui nada mais que um singelo até logo.

Aldesfer Duragan