quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Dragoria - Contos Perdidos (Parte I)

Graças aos costumes e códigos de honra que atravessam as gerações através dos séculos, ainda existia uma esperança àquelas pessoas. Soldados entre quinze e setenta anos, jovens que pouco sabiam sobre a vida, pais de família, patriarcas e anciões que gastavam todo o resto de suas forças para segurar uma espada. Mas quando a matança começa, não há salvação para quem empunha uma lâmina, nem mesmo para aquele que mata para proteger. A justiça virá para todos. O fim virá para todos.

Com o derramamento de sangue e as lutas incessantes, os dois reis chegaram a um acordo. A guerra estava prestes a ser decidida em um duelo mortal entre os melhores combatentes dos dois exércitos.

Duas massas de pessoas se formaram em extremos opostos do campo de batalha: uma planície rochosa. O sol castigava os soldados que já estavam completamente exaustos.

Do lado esquerdo da planície, o grande campeão Belthasar Ganfourt, se preparava para o duelo. Usava uma armadura de placas metal, sendo que o peitoral já estava parcialmente banhado por sangue inimigo. Tinha também um capacete no formato da cabeça de um leão com a boca aberta. Sem dizer uma palavra, pegou sua grande espada que estava encravada no chão. Olhou para trás e fitou o rei com um olhar de fúria, rapidamente virou sua atenção para frente novamente, e seguiu rumo ao exército inimigo. Quando chegou na metade do caminho, parou, apoiou sua espada no chão com uma de suas mãos e aguardou.

Alguns metros do outro lado, usando também uma armadura de placas, mas sem elmo, com seus cabelos compridos, o destemido Klaus Roward. Orfão e pobre, sua vida sempre foi uma batalha. A guerra representava apenas mais uma de suas lutas. Empunhava uma espada curta na mão direita, e na esquerda carregava um escudo redondo já bastante danificado. Nas costas, uma lança de madeira com a lâmina em forma de losango, moldada para perfurar. Antes de partir, recebeu os cumprimentos de dois generais e do rei em pessoa, mas Klaus não parecia motivar-se com isso, olhou para o inimigo que o esperava solitário, e nenhuma chama de bravura se ascendeu dentro de si, sequer a adrenalina parecia disposta a percorrer seu organismo; não se sentia preparado para o duelo. Caminhou na direção de seu inimigo e parou a cinco metros de distância. Ambos trocaram olhares intimidadores durante alguns segundos. Os dois exércitos começaram a gritar e incentivar os guerreiros que estavam prestes a sacrificar-se por suas nações.

O "Grande Leão” de Dragoria ergueu sua espada com as duas mãos, para assim partir para cima de Klaus com uma voracidade indescritível. 

Belthasar foi encontrado ainda criança perdido em uma floresta, carregava uma adaga ensanguentada. Procurou sobreviver ao rigoroso inverno, cobrindo-se com o couro de um leão, e em seu pescoço, um colar feito com os dentes do animal. Antes mesmo dos vinte anos de idade, já era um dos mais renomados capitães do exercito dragoriano.

Klaus não esperava que o inimigo fosse atacar tão rapidamente. A grande espada passou zunindo o seu ouvido, cortando o ar ao lado direito de seu corpo. Aquele passo de esquiva foi resultado de puro reflexo, mas o jovem guerreiro do reino de Tenemus ainda não havia despertado seu espírito de batalha para aquele momento.

Seus pais foram mortos na ultima guerra há mais de quinze anos. Klaus cresceu com o objetivo de se tornar um grande soldado e defender a todos de seu reino. Mas para alguém que amadureceu em meio a tantas batalhas, sua vida parecia não fazer sentido. Era um soldado pacifista, que matava para proteger. Entretanto, o fato de que ceifava vidas que cresceram com o mesmo propósito que o dele, o atormentava a cada minuto. Um guerreiro da paz que banhava em sangue aqueles que colocavam em risco a vida de seus companheiros.

- O que dizem é verdade, você é rápido! – exclamou Belthasar.

O jovem Klaus ainda estava afônico enquanto o inimigo se aproximava a passos cautelosos.

- Seu olhar entrega o seu medo. Aposto que já matou muita gente, mas era diferente, não é mesmo? No calor da batalha, você só tinha que defender seus amigos e a si mesmo. Agora, precisa matar um oponente em uma luta sem volta! – atacando novamente, com um corte reto de cima para baixo, sua espada se encontrou com a lâmina do jovem oponente, que foi jogado para trás com a força do impacto. Nesse instante, os soldados de Dragoria gritaram euforicamente e levantaram suas mãos para o céu, estavam certos da vitória de seu representante.

- O “Grande Leão” não é mesmo? – perguntou Klaus enquanto se levantava olhando fixamente para o inimigo.

- É como me chamam. E quanto a você? Ouvi dizer que era um habilidoso guerreiro, mas mais se parece com uma lebre assustada, estou desapontado – notava-se a ironia transbordando em cada palavra dita por Belthasar.

- Seu nome é temido em todo o reino de Tenemus, mas só o que eu vejo é uma fera empunhando um pedaço de metal. Posso ver a carne pelas frestas da armadura, você não é invencível, é tão comum e mortal quanto eu – finalmente uma chama ascendeu-se no coração do jovem.

Mais uma vez a espada de Dragoria vinha na direção de Klaus, que usou o escudo para amortecer o impacto. Usando apenas a mão esquerda para segurar o escudo, conseguiu parar por completo o ataque do inimigo, que ficou perplexo ao perceber que sua investida fora ineficaz.

O escudo começou a rachar, e gradativamente se desfez em pedaços, até que a lâmina inimiga encontrou seu braço desprotegido e o cortou superficialmente, finalizando o ataque falho.

Klaus usou sua espada curta para perfurar o abdômen de seu oponente com uma investida certeira. Deixando a lâmina enterrada em seu corpo, derramando um filete de sangue.

Os dois exércitos permaneceram em silêncio durante alguns segundos, até que os soldados de Tenemus começaram a gritar e pular, festejando a vitória iminente.

Klaus usou a sola do pé direito para empurrar Belthasar, que caiu de costas no chão. Durante esse movimento, aproveitou para retirar a lâmina das entranhas do inimigo. Virou-se deixando o corpo estirado para trás, indo a passos lentos em direção ao seu exército. A vitória era certa.

E foi quando ouviu um rugido feroz seguido de uma dor estridente que não durou mais do que dois segundos, que percebeu que não é a honra que garante a sobrevivência. Seu corpo foi atirado para a frente devido a força do golpe que levara pelas costas. Mesmo sua armadura não fora suficiente para protegê-lo de um ataque como aquele. Sua lança de madeira fora cortada em duas partes. Usando as duas mãos, Belthasar disparou um ataque fatal contra as costas de seu inimigo, partindo sua espinha dorsal.

O jovem guerreiro, caído no chão, quase agonizando, fitando os pés de seu carrasco, junta forças para cuspir suas últimas palavras:
- Você não tem honra.

Belthasar respondeu de imediato:
- Felinos podem ser traiçoeiros.

Usando sua grande espada, atravessou o crânio do jovem caído.
Não foi nessa guerra que o “Grande Leão” rugiu pela ultima vez.

Um comentário:

  1. Bahhh... Muito Freud... Por um segundo achei que estava lendo um texto de Bernard Cornwell!!!

    Parabéns!

    ResponderExcluir